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Quando é hora de parar: hábitos e buscas que custam a própria integridade do sujeito

É frequente que crianças pequenas busquem no bico ou na mamadeira um conforto conhecido, sem se darem conta, obviamente, de que esse hábito pode resultar em prejuízos a longo prazo. Semelhantemente, adultos podem apegar-se às fontes de satisfação conhecidas ao longo da vida, mesmo quando não são sustentáveis com o passar do tempo. Nesse caso, os bicos ou mamadeiras são os mais variados: empregos, casamentos, paqueras, companhias, hábitos ou lugares.


Muitas vezes pouco nutritiva no momento presente, a repetição indica que um determinado modo de agir pode ter sido prazeroso, ou mesmo fundamental em outro momento da vida. Saber a hora de parar, recuar, desistir, ou mesmo dar um tempo é fundamental para se ter um contato mais rico com o presente, o que resulta em saúde. Só há equilíbrio possível se a constância cede lugar à reflexão sobre até que ponto é desejável manter uma direção pela qual se decidiu anteriormente.

Eventualmente, algumas situações nos ajudam a entender que estamos nos demorando mais que o desejável em determinadas vivências. A (má) condição de saúde física, por exemplo, pode ser um indicativo de que hábitos precisam ser revistos: a bebida ou a comida que até então faziam parte de tantos momentos felizes, já não podem ter o mesmo espaço na vida. E talvez, nesse caso, seja preciso lidar com uma perda apenas parcial. Em outros contextos, as rupturas talvez devam ser completas. Contextos esses como casamentos nos quais a frequente troca de agressões, ainda que restritas ao verbal, comunicam que os parceiros podem estar se demorando demais em uma relação na qual o desrespeito já se mostra presente.


No entanto, nem sempre são dolorosos os avisos sobre nossa demora em algo que já devíamos ter encerrado. A insistência em frequentar determinados lugares e manter certas companhias, mesmo quando prejudiciais, ao contrário de nos doer, pode até nos agradar. Tendo isso em vista, há que se questionar até que ponto a repetição da satisfação conhecida não se mostra, também, como empecilho para a abertura a experiências pelas quais ansiamos. Assim, se desejo ampliar meu círculo de convivência ou meu repertório de experiências, devo me questionar se tenho agido de modo a estar disponível para conhecer pessoas e lugares novos. Seria o momento de abrir mão da zona de conforto, dos programas repetitivos, para arriscar-se na abertura ao novo? E o desconforto é inerente ao risco, é preciso conviver com isso. Ou podemos conviver com a frustração crônica, às vezes minimizada ou silenciada pelo sujeito que, pouco a pouco, envenena-se dela. Como no caso de alguém que deseja trabalhar em algo muito distante da atividade atual e, no entanto, acaba por não se movimentar na direção do seu desejo para manter a segurança conhecida. E não seria possível obter segurança em algo mais alinhado com suas identificações? Para saber isso, é preciso arriscar.


A persistência é outra categoria de vivências que nos convida a refletir sobre o momento de parar. O ato de lutar por aquilo que se deseja carrega uma satisfação inerente: sentimo-nos potentes ao buscar por objetivos previamente definidos ou até mesmo estipulados no meio do caminho. Esses objetivos podem ser os mais variados: a casa dos sonhos, a posição profissional meticulosamente planejada, a forma física idealizada ou o desenrolar da paixão recém-descoberta. Seja no âmbito das conquistas amorosas, materiais ou existenciais, a persistência revela, por um lado, que nosso desejo não é passageiro, que estamos empenhados por algo que para nós é valioso; por outro lado, o ato de persistir sem êxito na tentativa de obter algo ou se ligar a alguém comunica que nossa autopreservação pode não estar sendo respeitada. Afinal, nosso tempo de vida é escasso e a potência da busca é mais bem canalizada quando direcionada a realizações tangíveis e não apenas ao próprio ato de buscar. Mas como saber se o momento é de parar ou de continuar insistindo? Afinal, não se sabe se o objetivo está próximo de ser alcançado. E nisso reside um aspecto problemático: a análise limitada ao objetivo da busca e com pouca ou nenhuma atenção à integridade da pessoa que está buscando.


Para saber se é o momento de interromper uma ação, de parar de direcionar energia para um intento, temos de nos ater, também, a parâmetros subjetivos. De maneira bem simples: devemos nos questionar sobre como estamos cuidando de nós mesmos durante nossa busca. Essa pergunta é respondida a partir de referências particulares, só nossas, que tem relação com o que mais importa para cada pessoa. Minha busca preserva meus valores, minha referência do que é essencial para viver bem? Ou, ao contrário, me faz questionar a validade de minhas referências de felicidade e bem-estar sem me oferecer outras mais satisfatórias? Transpondo em exemplos: minha busca por sucesso profissional coloca em risco minha saúde física e mental? Minhas tentativas de fazer aquele “crush” virar um relacionamento têm mexido com minhas emoções a ponto de me trazer prejuízos em outras atividades da vida?


É muito vasta a variedade de experiências que nos compõem. Em meio a tantas vivências, o momento de parar nem sempre se anuncia espontaneamente ou em voz alta. Portanto, para conservar nossa integridade e potencial de esenvolvimento, é preciso atenção frequente ao modo como estamos vivendo. Ao nos mantermos atentos, evitamos perder vitalidade em meio às repetições, ao modo automático cotidiano ou às buscas que não fazem mais sentido.

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